[Digo_Mesmo]
























 
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Sonetos (ou não)
 
 





Se pudesse derreter, o faria
E lágrimas pretas sujariam os encartes
Mas só lhe cabe nessa nova condição
Aceitar o pó

Lá por 92 se reuniu a família
Sem nenhuma intenção, só pra dar continuidade
Agora com seus novos amigos lá estão
Deve ser melhor

Digo








 
O Cara Da Parada

A espera na parada de ônibus é um tempo que se perde todo o dia. E ultimamente minha espera tem sido não só entediante mas também cheia de angústia. Tudo culpa do cara da parada.
O cara da parada é um sujeito que espera o ônibus, como eu, na mesma rua que eu e no mesmo horário que eu (ai de ti, destino, se eu te encontro por aí...), porém no lado oposto, na outra calçada. Ele é uma figura difícil de descrever de tão comum. Parece se mimetizar com a paisagem, não tem expressão nenhuma, não tem movimento, não tem alegria, não tem nada. Antecipo a pergunta óbvia, que inclusive eu mesmo já fiz: mas então, por que ele me chama tanto a atenção?
Eu sou o tipo de pessoa que sente culpa por desperdiçar tempo. É como aquele e-mail que circulou há um tempo atrás, que dizia que o dia tem milhares de segundos que são depositados todo o dia na tua conta corrente, e no fim do dia desaparecem se não forem gastos. Tudo bem que outros e-mails diziam que eu teria dez anos de azar no amor e um piano cairia na minha cabeça se eu não repassasse a mensagem para vinte pessoas, mas aquele era diferente. Desde então não descanso mais: até na parada de ônibus tento pensar coisas úteis enquanto espero. Mas o homem lá do outro lado não. Ele é certamente o campeão mundial de tédio, o recordista da monotonia. Um amontoado de células sustentado por um esqueleto inerte, olhos focando o ponto mais longe na rua esperando o comando "ônibus chegou" para rodar o programa "chame o ônibus": um verdadeiro robô.
Como pode ele não pensar em mais nada? Olhar um carro que passa, um passarinho que canta, as flores lilás de jacarandá em volta dos pés dele... Será que ele não pensa no que espera por ele no trabalho? Ou quem vai encontrar no ônibus? Será que não o preocupa a guerra no outro lado do mundo, se existem ou não alienígenas, se o aborto deveria ser permitido? Os milhares de litros d'água que passam por baixo dele, os milhares de volts que passam por cima, as gurias que passam de bicicleta pelo lado, os pensamentos que deveriam passar por dentro do seu cérebro, mas que pelo jeito não o fazem.
Num desses dias de chuva, notei que havia uma goteira na parada dele, e lhe caíam gotas no ombro. Ele não saiu do lugar. Meu Deus! Será que nada é motivo para acordar esse cidadão? Juro que cheguei a balançar o corpo pra frente para dar o primeiro passo para atravessar a rua, no meio da chuva, meter o dedo no nariz dele e dizer: "Te mexe, criatura! É o mínimo do ser humano!". Mas meu ônibus chegou bem na hora.
Ontem foi outro desses dias em que o relógio parece andar para trás enquanto eu espero e o observo. Tudo dentro da rotina: chego na parada, olho para ele, me irrito, espero, ônibus chega, entro, sento no banco da janela. Mas ontem não foi como nos outros dias. A garagem de um prédio se abre e um carro vai saindo dela, a poucos metros do cara da parada. O que eu vi depois, através do vidro, enquanto meu ônibus partia lentamente, me deixou de boca aberta. E não uso figura de linguagem: meu queixo desceu e assim ficou, meus olhos arregalados, meu coração não sabia se disparava ou se parava. O homem avançou como um animal selvagem para cima do carro, ira e determinação nos olhos. Num golpe de extrema destreza, chutou o vidro do motorista quebrando-o em mil pedaços, sacou uma pistola que escondia embaixo da roupa e apontou para o indivíduo que dirigia, enquanto gritava muito e com a outra mão puxava-o pela gola da camisa.
Não consegui trabalhar, não consegui pensar em mais nada que não fosse imaginar o desfecho daquela cena depois que meu ônibus partiu e eu os perdi de vista. Acho que nem desci na parada certa, só o que fiz foi ficar pálido, repensando todos os meus conceitos.
O jornal que tenho agora em mãos traz na manchete da capa a notícia que esclarece o ocorrido que tornou confuso qualquer pensamento meu. As coisas podem não ser o que parecem, e podem inclusive me surpreender demais, sendo tão diferentes do que eu imaginava que pode não valer mais a pena pensar nelas. Não sei mais nada.
"Detetive captura criminoso depois de meses de vigilância".



 

Inverno



Meados de Julho frio
Do inverno porto-alegrense
Eu sozinho na parada
A esperar pacientemente

Se o frio vem no meu rosto
E os bolsos não dão conta
De aquecer as minhas mãos
Imagina se ele encontra

Alguém de menos sorte
Sem abrigo, sem agasahlo
Que passa embaixo da roleta
Indo ao modesto trabalho

Encolhido eu aguardo
O ônibus e a primavera
Espero que já estejam vindo
Encerrando minha espera

Digo
Inverno de 2002



 

O Sol



O Sol,

Que nunca teve o prazer
De deitar à sombra, segue
Bem feliz por não saber
O grande bem que perde

Se soubesse como é bom
Deitar à sombra no verão
Se entristeceria
Cairia em depressão

Talvez ele não saiba
Porque ninguém fala com ele
Talvez ele não saiba
Por falta de interesse

Ou, quem sabe, ele conhece este drama
Fica triste por dentro, mas não reclama
Pois se não há solução, solucionado está
Só veria sombra, se parasse de brilhar

E quem no mundo pagaria este preço?
Quem abriria mão da luz e do calor
Que todo dia nos abençoam com ardor

Gente assim, confesso, não conheço
Sei de loucos, imbecis de dar dó
Mas nunca vi quem não gostasse do Sol

Digo
22/10/02



 

Incompetência




Digo, eu não agüento, me cansei
Escrever um soneto me faria bem:
eu poderia ler os seus também
(mas se eles são bons mesmo, eu não sei)

Não consigo escrever nada útil
Mostrar minha concepção de mundo
ou expor um sentimento profundo
Ah, meu Deus, que poema fútil!

Mas, na verdade, o que posso fazer?
Falar do saturado "amor"
e mediocremente rimar com "dor"?

Nada disso: seria muito ridículo!
Tudo o que me resta é, então,
Tentar de novo, noutra ocasião.

Joyce (Galoxin)



 

Linha de Produç?o



Veloz, r?pido, impensado,
N?o penso nos versos que vou recitar
Mas escrevo ligeiro, sem hesitar.
Recém comecei mas j? vou ter acabado.

Sobre a vida, sem um tema certo,
Passando a caneta sobre o papel.
Cadeira, mesa, l?pis, ch?o e céu:
Me vem na idéia tudo que est? perto.

Com pressa logo cheguei nos tercetos.
Sem compromisso e pensando comigo
Se no fim das contas ficar? bem ou mal.

E assim chego ao fim de mais um soneto
Algum leitor poderia dizer: "Digo,
N?o leva a nada o processo industrial."

Digo
13/09/01



 

Aos Prédios Antigos



És presente, passado e futuro
Estás no nosso dia-a-dia
Já estavas erguido quando eu nascia
Tombado, não te demolirão os muros

Paredes cinzentas, estilo antigo
Entre prédios modernos e carros importados
Constatas que o tempo passou por todos os lados
Mas vês no novo um aliado, e não um inimigo

Mais cedo ou mais tarde te farão uma reforma
E apesar do alto custo de tal obra
É um dever conservar o que já tem mais tempo

Foste palco de inúmeras situações
Abrigaste muitas grandes emoções
E outras hão de vir aí de dentro


Digo
11/09/01




 

(sem título)



Mas por onde andas?
Estou a te procurar
Sempre a te esperar
Mas tu já não cantas

Sussurravas em meu ouvido
Fazendo palpitar meu coração
Companheira nas tardes de Redenção
Achar outro alguém eu duvido

Na companhia do silêncio tu esteve
E aquela monotonia que deteve
Espero nao mais encontrar na trilha

Já não te vejo mais ao meu lado
Por isso no silêncio fico desolado
Oh meu velho radinho de pilha

Magrelus
11/09/01



 

Ondas versus Pedras



Certeza tenho da próxima água
Que há de vir à orla se chocar
Contra as paredes - limites do mar -
De cuja erosão não há de sobrar nada.

Varia a fúria das cristas:
Ora estão calmas, ora perdem a razão.
Perigo praquele sem atenção
Que tem céu e nuvens na vista

As ondas um dia vão vencer
Pela insistência farão a pedra ceder
E assim esta luta vão ganhar

Mas as pedras não deixam por menos
Hão de passar milênios
Dizendo que ali é o seu lugar


Digo
10/09/01



 
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